quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Quem sou eu?

Estudante do 6º semestre de Pedagogia da Universidade de Santa Cruz do Sul(UNISC) e bolsista de Iniciação Cientifia na mesma universidade.

O trabalho apresentado neste blog é resultado do meu trabalho como bolsista na Universidade.

Sabrina da Rosa

O desenho como experiência de poetizar o mundo


O presente trabalho, emerge de minha participação, como bolsista CNPq, no projeto de pesquisa Experiência poética e aprendizagem na infância, desenvolvido desde o primeiro semestre de 2006, pelo grupo de pesquisa Estudos Poéticos da UNISC. Entre as diversas tarefas semanais, tenho acompanhado o processo de inserção escolar de um grupo de crianças que freqüentam o 1º ano (2007) e o 2º ano (2008) do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública estadual no município de Santa Cruz do Sul.
A pesquisa tem por objetivo investigar a relação entre imaginação criadora e processos de aprender a significar a convivência através das Artes Plásticas e da Literatura, duas áreas de conhecimento que têm sido negligenciadas na escola. Essa negligência ocorre em virtude da excessiva preocupação escolar com a alfabetização e que se manifesta através da quantidade de atividades voltadas para o ensino da leitura e da escrita. As rotinas e planejamentos dos professores não permitem considerar o imprevisível que surge do encontro entre as crianças e o ambiente escolar por compreenderem que a aprendizagem ocorre no silêncio e na imobilidade dos corpos. Constata-se, então, que as ações educativas com crianças investem muito mais na transmissão de conteúdos e em métodos de ensino que na complexidade da ação de aprender na convivência, desde a infância.
O estudo parte da concepção de experiência em Larrosa (2002) e de poiésis em Valéry (1999) para afirmar a importância da experiência linguageira que simultaneamente transforma nossa relação com o mundo e a nós mesmos. Para Larrosa (2002, p. 28), a experiência em sua relação com a existência traz sempre uma dimensão de incerteza, por isso não pode ser antecipada pois “é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem ‘pré-ver’ nem ‘pré-dizer’”. Para Valéry (1999), o termo poiésis diz respeito à vida cotidiana do agir, produzir, criar, expressando uma ação marcadamente humana, isto é, o fazer como marca do humano construir seu estar e agir no mundo. Trata-se, para o poeta, da noção bem simples de fazer que termina nesse gênero de obras que se convencionou chamar obras do espírito e não as regras para realizá-las.
Ambos os autores permitem afirmar a experiência poética como ato de aprender a dar outro curso às coisas através do esforço corporal integrado ao intelectual, ou seja, enquanto pensamento em ato. Trata-se de destacar que não podemos separar a mente do corpo, o que faço do modo como faço.
O conceito de experiência poética é bastante complexo pois é necessário considerar, além da mente, o corpo que age nos processos de aprendizagem. E isso não é algo fácil de entender, especialmente na escola. Mas, se refletirmos com Valéry (1999, p.181) a importância de considerarmos “com mais complacência, e até com maior paixão, a ação que faz do que a coisa feita”, podemos alcançar que o mundo não é o que eu penso mas o que eu vivo. Para Merleau-Ponty (1991,p. 79),

da mesma forma que a operação do corpo, a das palavras ou das pinturas me permanece obscura: as palavras, os traços, as cores que me exprimem saem de mim como os meus gestos, são-me arrancados pelo que quero dizer como os meus gestos pelo que quero fazer.

O que Merleau-Ponty (1991) destaca é o poder do corpo – o “eu posso” – nos processos de aprendizagem das crianças e não tanto o “eu penso” como ação isolada, sem um corpo que a sustente. Essa inseparabilidade pode ser observada quando as crianças estão envolvidas no ato de desenhar, pois exige o corpo inteiro presente no ato da mão traçar linhas no papel. É o corpo que se mexe dando sentido no seu desvendar o vivido e o que pode ser vivido. Ao desenharem as crianças estão narrando algo e essa ação é percebida através do corpo que mostra sua percepção do mundo.
Aqui podemos estabelecer uma aproximação com a concepção de imaginação criadora em Bachelard. Para o filósofo a imaginação não é imagem-reflexo do real. A imagem faz aproximações com a realidade e quanto mais distante dessa realidade, mais intenso seu poder poético pois “é preciso ter algo mais que imagens reais diante dos olhos. É preciso seguir imagens que nascem em nós mesmos, que vivem em nossos sonhos” (BACHELARD apud RICHTER, 2005). Bachelard, ao afirmar que primeiro imaginamos e depois percebemos, rompe com a tradicional concepção de que primeiro vemos, depois lembramos e por último imaginamos. Concepção essa que sustenta a lógica escolar do corpo imóvel atento às palavras da professora e à visão do quadro negro. Trata-se da compreensão escolar de aprendizagem como processo fragmentado no qual a criança deve primeiro ver e ouvir para depois compreender, ou seja, primeiro deve compreender mentalmente a explicação para depois vivê-la corporalmente.
Merleau-Ponty (1991) contribui para compreendermos a existência de uma significação “linguageira” da linguagem que não se prende ao “penso” cartesiano mas ao “posso” do corpo operante que diz respeito ao ser próprio do gesto humano inaugurar sentidos realizando uma experiência e sendo essa própria experiência, isto é, agindo no mundo – ou aqui, desenhando.
Nessa compreensão de desenho torna-se importante considerar a concepção de aprendizagem em Maturana (2000). Para o autor, aprender não é uma aquisição de algo pronto e sim uma transformação no viver: aprender é um modo de viver. A educação também é um processo de transformação no viver, e por isso é importante favorecer experiências na qual as crianças possam transformar as coisas do mundo através do corpo inteiro: palavra, voz, desenho, e nesse ato se transformar ao criar outras realidades além das existentes.
Nessa perspectiva, torna-se importante considerar o pensamento de Merleau-Ponty (2002, p. 184) quando afirma nossa dificuldade em compreender que o desenho da criança não é “expressão do mundo que percebemos”, portanto não há conformidade ao objeto a partir da mente como depósito de imagens. Para Merleau-Ponty (2006, p. 220),

a imagem não é uma percepção enfraquecida. Não é passível de ser “observada”, ou seja, examinada ponto a ponto como uma coisa percebida; ela não enseja, como a coisa percebida, um desenrolar de aparência concordantes para cada variação de ponto de vista. Ela não é “coisa” interior ou “psíquica”, mas uma convicção global. Alain dizia que ela é credulidade, convicção de ter visto: não vemos, acreditamos ver. Quando, numa floresta, tomamos uma árvore por silhueta humana, essa ilusão só é possível porque no início consentimos em não olhar realmente, pois, sempre segundo Alain, só vemos o real, podemos usar o real percebido para enxergar outra coisa, mas então não estamos olhando.